Combate ao Racismo Ambiental
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Órfãos: Morte do Rio Doce deixa rastro de incertezas na aldeia Krenak



Gina Pagu – Jornal Figueira

O choro de lamentação da índia Krenak na margem do rio Doce já dura mais de um mês. O sofrimento do povo que tem o rio como pai e mãe, como aquele que traz o sustento e aprendizado da vida indígena, ainda está latente. E não saber o que fazer, como agir daqui pra frente, é o pensamento único de uma tribo que une o senhor Euclides, de 105 anos – índio mais velho da tribo – e Isaque, um recém-nascido de um mês de vida. O mais velho viu o rio, ensinou a pesca e a natação para os filhos e netos. O bebê não poderá tão cedo ter o rio Doce no seu dia a dia para aprender a cultura e sobrevivência por meio deste ente querido.

Geovani Krenak explica que o rio é como uma religião. “Nosso povo mantém uma relação de crença muito forte com o rio e estamos totalmente desorientados com relação a como nos comportar diante da situação. Para nós é algo sagrado, é a natureza, mas é para nós mais que vida.

Os mais velhos estão tendo dificuldades de aceitar a tragédia que, por agora, é irreversível. Para os mais jovens, o rio era lazer e aprendizado.” O índio conta que a filha de três anos estava aprendendo a nadar e que agora é preciso se manter longe das águas por conta do perigo da poluição. “Eu aprendi a nadar na ilha do meu avó e estava ensinando a minha filha pequena também, passando de pai para filho o aprendizado. Agora as coisas que nossos ancestrais fizeram não podemos mais fazer.” São 128 famílias desamparadas. A dor é de todos.

A destituição da cultura do indígena é o que mais dificulta a compreensão de tudo que ocorreu. Geovani diz que cada um, do seu modo, sofre e chora. “O rio é algo que a gente amava, agora é algo que nos causa medo e dor. É uma entidade que sempre cuidou do povo e que agora nos assombra por causa da lama. Temos que cuidar dos nossos índios mais velhos.

A dona Mirda, uma índia idosa, não acredita que o rio esteja sujo pela lama, mas sim pela chuva, e que não há problemas em se banhar nas águas barrentas. Ela não quer tomar banho com a água potável fornecida pela Vale. Esta é, na verdade, uma das batalhas mais duras que o nosso povo tem de enfrentar.” Anderson Krenak explica que água e alimento são fáceis de conseguir por outros meios, mas que o rio jamais será o mesmo. “Os mais velhos não acreditam na recuperação do rio. Fala-se em até 20 anos para que isso aconteça. A Vale, a grande responsá- vel por tudo, não tem cumprido o que prometeu. Queremos nossa vida de volta. De lá tiramos material para artesanato, água para beber, cozinhar, sobreviver, e agora tudo isso é nulo.”

Krenak

Os índios Krenak (ou Borun) são os últimos Botocudos do Leste de Minas, nome dado pelos portugueses, no final do século 17, a aqueles grupos que ainda usavam botoques auriculares e labiais. São conhecidos também por Aimorés, nome dado pelos Tupi, e por Gren (ou Krén), sua autodenominação. O nome Krenak foi dado ao líder do grupo que comandou a cisão dos Gutkrák do rio Pancas, no Espírito Santo, no início do século 20. Instalaram-se, naquele momento, na margem esquerda do rio Doce, em Minas Gerais, entre as cidades de Resplendor e Conselheiro Pena, onde estão até hoje, numa reserva de quatro mil hectares, que ali concentrou, no fim da década de 1920, outros grupos Botocudos do rio Doce: os Pojixá, Nakre-ehé, Miñajirum, Jiporók e Gutkrák, sendo este o grupo do qual os Krenak haviam se separado. Foram vítimas de constantes massacres chamados de “guerras justas” pelo governo colonial.

Hoje, vivem numa área reduzida e reconquistada com grandes dificuldades. Anderson explica que nem essas guerras foram tão difíceis de ser superadas pelos Krenak. A morte do rio é irreparável. Pablo Camargo, agente em indigenismo, representante da FUNAI em Governador Valadares, explica que o rio está enraizado na cultura indígena, que é algo holístico e que reparações podem ser feitas, mas não ter o rio Doce vivo é o pior para os Krenak.

“O que aconteceu causa uma mudança muito drástica, já que o rio tem um valor não só econômico, da pesca, mas tem um valor simbólico muito grande para a comunidade, e agora tudo vai ser ressignificado. Não sabemos sobre o tempo de recuperação do rio, das novas perspectivas de territorialidade dos índios Krenak, e essa tragédia pode acelerar o processo de revisão do território, que está em curso. O certo é que foi uma violência muito grande, pois o rio é território Krenak, o rio Doce para eles é vida, alma, é o sentido das coisas, é o começo, meio e fim. Mas, como povos, todos nos reinventamos e é isso que provavelmente vai acontecer, mas não sabemos se com ou sem o rio.”

Água sagrada

“Diversas histórias sobre a nossa religião são contadas pelos mais velhos, nas quais eles falam que muitas das nossas danças, brincadeiras e a nossa sobrevivência vinham das águas dos rios. Com a vinda das estradas e ferrovias, os Krenak foram expulsos e ficaram muito tempo longe do rio Doce, buscando outros refúgios, e agora não há o que se buscar”, lamenta a índia Shirley Krenak. Ela explica que o rio já vinha sofrendo grande degradação e que o fato era sentido por todos, homens brancos e índios, mas a dificuldade do que aconteceu agora sacrifica muito o povo indígena.

“Por consequência, o povo Krenak entra em o calamidade também. Antes, quando os homens iam caçar, eles não passavam fome nem sede, pois tinham as minas para poder beber água e os frutos para se alimentar. Hoje, a situação do povo se torna cada vez mais agravada devido à falta de água. A água é o elemento fundamental para a existência do povo Krenak. Todos dependem dela para sobreviver e para garantir a vida dos animais, das plantas e da sua pró- pria religião, pois a água sustenta a vida. Não importa quem somos, o que fazemos, onde vivemos, nós dependemos dela para sobreviver. A água é, provavelmente, o único recurso natural que tem a ver com todos os aspectos da cultura Krenak, desde o desenvolvimento agrícola aos valores culturais e religiosos. Toda a história do povo Krenak se resume às águas por morarem às margens do rio Doce.” Anderson diz que a dor é coletiva.

“Os mais velhos choram quando lembram e nós choramos com eles, pois a dor de um irmão é nossa dor. Mataram nosso pai e a nossa mãe, é assim que que consideramos o rio Doce, porque, desde nossos antepassados, foi o rio que nos criou e o nosso povo só vivia ali na margem dele por fornecer alimento e meio de sobrevivência. Sofremos tanto que é difícil até falar sobre o que aconteceu, tamanha é a proporção dessa tragédia, por tirar aquilo que é mais sagrado para o povo Krenak.”

Vale

Poucos dias após o desastre em Mariana, que afetou toda a bacia hidrográfica do rio Doce, os Krenak paralisaram a linha férrea em Resplendor em protesto contra a Vale. Em reunião após quatro dias de protestos, conseguiram que algumas medidas emergenciais fossem tomadas, assim como o abastecimento de água mineral e ajuda de custo para quem vivia do rio.

Geovani explica que tudo está muito confuso e que o atendimento não está adequado. “As medidas emergenciais foram tomadas, mas é um problema gerando outro. São muitos caminhões na aldeia, muito lixo espalhado. Além disso, pedimos comida para nossas criações e apoio financeiro para quem vivia da pesca, mas é como eu disse, tudo está meio desordenado ainda.”

Imagem: Reprodução de Jornal Figueira



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