Combate ao Racismo Ambiental
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“A pauta dos agrotóxicos tem sido estratégica para uma nova forma de pensar, produzir conhecimento e atuar no campo da Saúde Coletiva”



Confira a entrevista na íntegra de Marcelo Firpo, coordenador do GTSA/Abrasco, sobre o Dossiê e a construção de uma nova agenda no campo

Abrasco

Engenheiro de produção, psicólogo, Marcelo Firpo de Souza Porto é pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (CESTEH/ENSP/Fiocruz) e coordenador do Grupo Temático Saúde e Ambiente (GTSA/Abrasco). Perguntado sobre o papel do Dossiê Abrasco no debate social para a matéria Dossiê Abrasco no centro dos debates e ações no dia internacional de luta contra os agrotóxicos, Firpo ressaltou que a obra trouxe novas formas de articulação política e científica da Abrasco: “A pauta dos agrotóxicos tem sido estratégica para uma nova forma de pensar, produzir conhecimento e atuar no campo da Saúde Coletiva”. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Para Marcelo Firpo, a pauta dos agrotóxicos tem sido estratégica para uma nova forma de pensar, produzir conhecimento e atuar no campo da Saúde Coletiva – Foto: Agência Kah/Abrasco

Abrasco: Como avalia a contribuição da Abrasco e dos pesquisadores engajados e a ela associados na pauta política e científica dos agrotóxicos?

Marcelo Firpo: A pauta dos agrotóxicos tem sido estratégica para uma nova forma de pensar, produzir conhecimento e atuar no campo da Saúde Coletiva. Para isso um ingrediente estratégico é o diálogo entre a academia e os movimentos sociais, pois essa interação permite uma leitura tanto crítica como propositiva da realidade e das políticas públicas. O conhecimento científico aliado com a vida e a defesa da saúde do povo – que é ou deveria ser um valor central da saúde coletiva – é fundamental para uma análise mais independente do problema. Existem fortes interesses econômicos em jogo.

Por exemplo, o agronegócio dos monocultivos é dependente químico de agrotóxicos e fertilizantes, as indústrias que produzem agrotóxicos e sementes transgênicas – as duas tecnologias estão fortemente intercruzadas – , e as grandes corporações que dominam o comércio das commodities agrícolas, como os grãos e carnes. São setores econômicos extremamente poderosos, que ainda por cima influenciam a balança comercial, uma enorme armadilha do modelo de desenvolvimento do país. O próprio Estado acaba atuando de forma parcial, seja em função da escolha por políticas econômicas e de exportação que sustentam esse modelo, seja porque tais setores econômicos investem na campanha eleitoral de partidos e políticos que se tornam legisladores e gestores. Encontram-se, portanto, comprometidos com interesses que não os direitos fundamentais presentes na Constituição, como a defesa da vida, da saúde e do meio ambiente equilibrado.

Portanto é absolutamente necessário, do ponto de vista da democracia  e da construção de processos emancipatórios, que entidades como a Abrasco possam atuar de forma mais autônoma e crítica na produção de conhecimentos sobre os agrotóxicos.

Outro elemento importante é o aprendizado que a saúde coletiva, em especial o GT Saúde e Ambiente, está realizando em termos de uma promoção emancipatória da saúde e de práticas intersetoriais. Não são apenas as denúncias contra os agrotóxicos, mas os anúncios de que outras formas de produzir alimentos são muito mais justas, sustentáveis e saudáveis. O encontro da saúde coletiva com a agroecologia, a justiça ambiental, a segurança e a soberania alimentar, a economia solidária é estratégico nesse sentido.

Abrasco: Qual a importância da produção desse conhecimento crítico e comprometido com os Direitos Humanos dentro da própria academia brasileira e no cenário da produção internacional do conhecimento?

Marcelo Firpo: Estamos num momento de atualização dos debates que fundaram a medicina social latino americana e a saúde coletiva que se deram nas décadas de 1970 e 1980. Conquistamos muitas coisas, com políticas distributivas importantes principalmente na era dos governos do PT, mas os avanços se deram paralelamente a processos econômicos e políticos conservadores, e a um modelo de desenvolvimento que intensifica inúmeros impactos socioambientais. A institucionalização do SUS, a crescente especialização acadêmica da saúde coletiva, formas corporativas de organização política nos espaços participativos e políticos do setor saúde num contexto de modernização conservadora, tudo isso vem dificultando inovações teóricas, metodológicas e políticas mais solidárias. Mas a vitalidade da saúde coletiva encontra-se na compreensão da saúde como um projeto civilizatório, como dizia Sergio Arouca. Saúde, vida, democracia e transformação social precisam animar a produção intelectual e política da saúde coletiva.

Não é à toa que as discussões sobre os agrotóxicos reforçam e atualizam diálogos com importantes autores críticos latino-americanos como Jaime Breilh. Ou ainda com teóricos da emancipação social em tempos de crise civilizatória, como Boaventura de Sousa Santos e sua proposta de ecologia de saberes.

Abrasco: O que a Saúde Coletiva tem aprendido e deve continuar a aprender com os movimentos sociais e com a agroecologia com o debate dos agrotóxicos e para além dele?

Marcelo Firpo: Temos aprendido muito. Não um aprendizado com um olhar de fora, mas junto com, compartilhando conhecimentos, experiências, afetos, solidariedade. Em especial vivenciando encontros e construindo estratégias através de processos que resgatam propostas de ciência engajada/militante e a pesquisa-ação, tão importantes na América latina através de autores históricos como o brasileiro Paulo Freire e o colombiano Orlando Fals Borda. Esse aprendizado é central para recolocarmos a discussão sobre qualidade na produção acadêmica para além das estreitas visões produtivistas e corporativas que têm pautado diversos debates no país. Afinal produzir conhecimento para quê, para quem e de que forma?

É preciso também destacar o processo de construção do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências em Agroecologia, Justiça e Saúde Ambiental, Soberania Alimentar, Economia Solidária, e Feminismo, realizado em Salvador em setembro de 2011, com a Abrasco integrando a comissão coordenadora entre os anos 2009 a 2011. Esse processo de articulação com redes de movimentos sociais possibilitou a partilha da leitura da natureza da crise civilizatória vivenciada e as alternativas. Ampliamos nossa compreensão da encruzilhada histórica que se encontra a humanidade e o país, e que se manifesta em diversas crises com impactos importantes para a saúde: econômica, socioambiental, energética e alimentar. O objetivo  do Encontro foi de contribuir para a reversão da fragmentação do campo democrático e popular hoje no Brasil através de um processo de diálogos e convergências que reunissem forças diversas da sociedade civil organizada. Além da Abrasco, fizeram parte da comissão organizadora do encontro a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), a Rede Alerta contra o Deserto Verde (RADV), a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o Fórum Brasileiro de Soberania e de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).

Uma importante consequência desse processo para a Abrasco  foi a construção do que chamamos de InterGTs. Ou seja, passamos a trabalhar no espírito do diálogos e convergências entre diversos GTs, como Saúde e Ambiente, Saúde do Trabalhador, Alimentação e Nutrição, Promoção da Saúde e Educação Popular. Desde então a forma como vem se dando a participação da Abrasco em processos os mais diversos segue essa proposta de diálogo democrático em torno de agendas e processos emancipatórios. Por exemplo, o Dossiê Agrotóxicos, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), assim como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA).

Foto: Eduardo Tavares



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